quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A MATA ATLÂTICA - SUA BIODIVERSIDADE

MATA ATLÂNTICA 
 Por José Alberto Gonçalves

A Mata Atlântica é um dos biomas com maior diversidade de espécies vegetais e animais do planeta. É, também, um dos que possui mais elevada taxa de endemismo (espécies que são exclusivas de um bioma).
Vários fatores explicam a riqueza biológica da floresta atlântica, como o calor intenso e as chuvas volumosas, que favorecem o desenvolvimento de plantas e animais em abundância. Outro elemento é sua extensão. Ela esparrama-se por 17 Estados, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, acompanhando o litoral brasileiro, com diversos tipos de vegetação, clima, relevo, ecossistemas e fauna.
No caso da vegetação, além das árvores altas de folhas largas típicas de clima tropical úmido, também fazem parte do bioma a Mata de Araucária, mais comum em clima subtropical, como o do sul do país. Há, ainda, os chamados ecossistemas associados à Mata Atlântica. Entre esses, estão manguezais e restingas, que desempenham importante função na proteção da costa contra a erosão e as ressacas do mar, na reprodução de peixes e crustáceos e na alimentação das aves.
Quando se atenta para o número de espécies que existem somente nesse bioma (espécies endêmicas), é fácil constatar seu alto grau de biodiversidade. Das cerca de 20 mil espécies de plantas lá conhecidas, 8 mil são endêmicas (40% do total). Entre árvores de destaque no bioma, estão o jequitibá-rosa, o pinheiro-do-paraná, o cedro, as figueiras, os ipês, a braúna e o pau-brasil.
No mundo animal, também há impressionante diversidade. Das 483 espécies de anfíbios, 286 (quase 60%) são endêmicas da Mata Atlântica. No grupo dos invertebrados, ainda pouco conhecido pelos cientistas, destacam-se o besouro-tigre (63 espécies endêmicas do total de 88) e as borboletas (948 endêmicas das 2.120 já identificadas).
Observando a fauna atlântica como um todo, a taxa de endemismo continua bastante elevada. Das 1.361 espécies animais, 567 habitam apenas no bioma atlântico, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Segundo Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CNRBMA), a floresta atlântica é também a que apresenta maior quantidade de diferentes espécies arbóreas.
Estudos realizados no bioma encontraram mais de 450 espécies de árvores em apenas um hectare de mata no sul da Bahia e 476 espécies em um hectare nas serras do Espírito Santo. “Numa comparação simplificada, existem mais plantas e animais diferentes em um hectare de Mata Atlântica do que em toda a Alemanha”, observa Lino.
Devido à sua importância ecológica e por ser um dos biomas mais ameaçado de extinção do mundo, a Mata Atlântica foi incluída na lista de “hotspots” de biodiversidade elaborada pela organização não-governamental Conservação Internacional (CI).
O “hotspot” é uma região de grande valor ecológico que se encontra sob risco por causa da exploração madeireira, da agricultura, da urbanização e das mudanças climáticas. Ao declarar um bioma como “hotspot”, tenta-se chamar a atenção das autoridades e da sociedade para a necessidade de realizar ações de proteção e restauração de ambientes degradados.
A maior parte da fauna brasileira ameaçada de extinção habita o bioma atlântico. Entre outros animais sob risco, podem ser mencionados os micos-leões, a lontra, a onça-pintada, o tatu-canastra e a arara-azul-pequena.

Reduzida a 7% do que era em 1500, a Mata Atlântica é um dos cinco biomas mais ameaçados de extinção no planeta e o que mais perdeu vegetação no Brasil. No início da década de 1990, o bioma, situado na faixa mais povoada e industrializada do país, parecia condenado a sumir do mapa nas avaliações de proeminentes estudiosos como o historiador americano Warren Dean, que escreveu o célebre livro “A ferro e fogo”, publicado pela Companhia das Letras, no qual faz um relato da história de devastação da Mata Atlântica.
Na área de domínio da Mata Atlântica, que compreende 1,3 milhão de quilômetros quadrados, ou 15% do território brasileiro, vivem aproximadamente 70% dos 190 milhões de habitantes do país.
A perda de vegetação só não foi maior porque uma parte da floresta atlântica localiza-se em áreas de difícil acesso, como as encostas da Serra do Mar, cadeia de montanhas que se estende por quase mil quilômetros entre o litoral de Santa Catarina e o do Rio de Janeiro. Nas regiões mais planas, com raras exceções, a floresta foi eliminada.
Apesar de o fantasma da extinção ainda pairar sobre o bioma atlântico, há sinais de que a Mata Atlântica pode estar entrando numa rota inversa. No início da década de 1990, acreditava-se que a Mata Atlântica estaria reduzida a 3% de sua cobertura original no final do século 20. Felizmente, a previsão não se realizou e a perda da cobertura vegetal mais bem conservada do bioma tem permanecido na casa dos 7% nos últimos anos.
Graças à criação de dezenas de unidades de conservação, como parques e reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), a queda na área do bioma foi mais lenta que o previsto e se deu, sobretudo, em propriedades particulares.

Inúmeras ações de órgãos públicos, entidades ambientalistas, escolas, universidades e empresas empreendem um esforço descomunal para salvar a Mata Atlântica.
A grande vitória na batalha para salvar o bioma foi a aprovação da Lei da Mata Atlântica pelo Congresso Nacional em dezembro de 2006, após 14 anos de espera. Trata-se de uma legislação que instituiu incentivos econômicos para produtores rurais e comunidades tradicionais que protegem a floresta e regras para proibir o licenciamento de empreendimentos em áreas de mata primária ou em estágio avançado de regeneração (bem conservada).
Embora a lei tenha sido regulamentada há pouco mais de um ano, mais de 3 mil municípios brasileiros já estão levando em conta a legislação no licenciamento ambiental de novos empreendimentos, diz Wigold Shaffer, coordenador do núcleo Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Mas ainda há vários problemas a serem enfrentados para que a Lei da Mata Atlântica seja implementada em sua plenitude. “A implementação da lei está muito mais lenta do que deveria. A pressão de ocupação na orla marítima continua intensa, desrespeitando áreas de preservação permanente (APPs) e reserva legal (RL) e desmatando vegetação bem conservada, o que foi proibido pela lei”, assinala Clayton Lino, do CNRBMA.
Também falta regulamentar o Fundo de Restauração da Mata Atlântica, previsto pela nova legislação. O fundo é considerado fundamental para injetar recursos na recuperação de parte importante do bioma.
Faz parte desse esforço a criação de dezenas de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) nos últimos anos. Qualquer pessoa que possui parte da sua propriedade com vegetação bem conservada pode solicitar aos órgãos ambientais a declaração da área como RPPN, que é uma unidade de conservação (UC). Em troca, o proprietário fica isento de pagar o Imposto Territorial Rural (ITR) e pode promover atividades harmônicas com a reserva, a exemplo do ecoturismo e da educação ambiental.
Não se trata, portanto, de tarefa exclusiva do governo zelar pelo cumprimento da lei. A sociedade como um todo precisa conhecer a legislação, cobrar sua aplicação, denunciar abusos contra o bioma e promover projetos de conservação e recuperação da floresta atlântica. A manutenção dessa floresta é vital para o desenvolvimento sustentável da parte mais habitada do território brasileiro.

O desmatamento intenso da Mata Atlântica começou em 1500 com a chegada dos portugueses ao litoral da Bahia. Para extrair pigmentos do pau-brasil, utilizados no tingimento de tecidos na Europa com cores fortes, como vermelho, rosa ou marrom, portugueses e piratas levaram à Europa grande parte das árvores da espécie, que era uma das mais abundantes no bioma atlântico.
Em seguida, a Mata Atlântica sofreu com o segundo ciclo econômico do Brasil colonial, o do açúcar, nos séculos 16 e 17, que substituiu porção significativa da floresta por canaviais. Após o açúcar, a exploração do ouro em Minas Gerais, entre os séculos 18 e o início do 19, levou ao desenvolvimento de uma inédita sociedade urbana. Em virtude do florescimento de novas vilas e cidades nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, surgiu uma nova frente de devastação da floresta atlântica.
A partir do século 19, principalmente a partir do período imperial, foi o ciclo do café que abriu uma nova frente de perdas para o bioma. “Para a Mata Atlântica, (…) a introdução dessa planta exótica significaria uma ameaça mais intensa que qualquer outro evento dos trezentos anos anteriores”, escreve Warren Dean em “A ferro e fogo”.
Com o dinheiro obtido na exportação de café, os fazendeiros financiaram a instalação das primeiras indústrias no Sudeste entre o final do século 19 e as primeiras décadas do século 20. Na falta de dinheiro para importar derivados de petróleo, as indústrias recorriam ao carvão vegetal proveniente da floresta atlântica.
Estava dada a largada para um dos mais acelerados e intensos processos de urbanização do século 20 em todo o mundo. O que importava era inaugurar mais fábricas, pavimentar ruas, construir prédios, abrir estradas, instalar usinas de energia. Enfim, a mata era o mato que incomodava, abrigava insetos, sinal de atraso diante do progresso.
O resultado desse processo foi desastroso para o meio ambiente. Manguezais e restingas foram aterrados para dar lugar a rodovias, ruas, avenidas e loteamentos residenciais e comerciais. Várzeas de rios também foram trocadas por concreto e asfalto, impermeabilizando o solo, o que favorece a ocorrência de enchentes quando chove muito.

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